Abertura:
Quando ele para, em sua mesa de trabalho na Casa dos Quatro – o último grande empreendimento de sua vida – gosta de brincar com as palavras. Escreve uma, busca todos os significados e ortografias possíveis para ela. Algum tempo depois, estarão no palco sendo ditas, em texto dramatúrgico. Por isso, dizer “Alexandre Ribondi Presente” é também um resumo de muitos significados. É presente porque está, permanece, preenche, participa e faz, ainda, dentre os que o amam e dão seguimento à sua arte. É tão presente que é impossível referir-se a ele como alguém do passado, tal qual sempre fez ao falar sobre sua mãe e seu irmão, falecidos há décadas. É presente por que melhor presente que ele próprio não há: um homem que busca ter uma vida interessante ao invés de uma vida feliz, que se derrama e abre seu imenso arsenal enciclopédico para quem acaba de se achegar.
Sagitariano das muitas viagens e alguns amores ora fortuitos e efêmeros, ora sólidos e intensos, viveu nomadeando o Espírito Santo na infância, aos 16 mudou-se para uma Brasília recém-fustigada pelo AI-5. Vagou pela Bolívia e pelo Peru, exilou-se na França – onde foi de mendigo a dono de Casa de Chá -, viveu a guerra no Iraque, buscou abrigo em Portugal e encontrou amor. Mas foram sempre essas paragens do Planalto Central que deram sentido e poesia à sua vida e produção. “Cidade, eu te amo. Tão verde e tão vermelha, eu, o que se ajoelha, e que, já verde, vermelho e velho, te ama mais e mais. Vivo em paz”, declarou, no poema Ode com Ódio.
Encontrou nas bandeiras de lutas sociais a razão para militar, escrever e sobreviver. Poucas vezes foi claro ao contar sobre a prisão e tortura na Ditadura, motivadas pelas incômodas atividades do Grupo Homossexual Beijo Livre. Muitas vezes foi claro ao defender a Democracia como valor maior da sociedade. Jornalista, ator, dramaturgo, diretor, militante, professor. Um homem de teatro, que não morre. Aqui você vai conhecer este alguém tão vivo que seguirá deixando ensinos e afetos.
Ok, Alexandre Ribondi se foi em 10 de junho de 2023, precocemente demais para quem ainda poderia viver outros 70 anos. Embora esteja ainda tão presente, é inútil lutar contra a materialidade dos fatos e a verdadeira falta que faz, se não se reconhece que ele realmente resolveu partir. Mas foi do jeito que pediu: “que eu nunca morra em casa, com a timidez dos moribundos envergonhados. Que eu morra gritando pra sua janela que te amo… Que eu morra na porta do palácio pra marchar sobre a cabeça do rei. Mas que eu não morra em casa, na crença de que o mundo é o que finge ser”.
Morillo Carvalho
Amigo, discípulo, e, como ele, ator e jornalista
Brasília, outubro de 2023
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